Por Fábio Lopes Soares
Advogado, consultor e professor convidado da FGV Law Program

Apesar de muitos cidadãos terem aparentemente consciência de seus direitos, estamos longe de vivenciarmos no curto prazo, meios tão eficientes de defesa do consumidor e cidadania como os que a representação que os órgãos que fazem parte do SNDC – Sistema Nacional de Defesa do Consumidor e componentes que auxiliam o cidadão/consumidores na defesa dos direitos individuais e coletivos, tanto na iniciativa privada quanto no poder público, sendo um deles as Ouvidorias, oferece.

No mês em que se comemora o dia do Ouvidor no Brasil, ocorrido em 16.03, sua proximidade com o dia internacional do consumidor, 15.03, não se mostra a toa. A Ouvidoria é reconhecida pelos órgãos de defesa do consumidor como uma aliada na solução de conflitos e garante tanto direitos básicos como serve de controle social na defesa dos interesses de consumidores e cidadãos.

Uma ouvidoria se caracteriza como sendo a mais pura representação da voz do consumidor dentro das empresas e do cidadão no poder público e não deveria ser confundida com o SAC de uma empresa, pois se caracteriza por ser uma ultima instância de soluções definitivas dentro das organizações.

Segundo a ABO – Associação Brasileira dos Ouvidores e a ABRAREC – Associação Brasileira de Relações Empresas Cliente conceitua-se Ouvidoria como:

“Uma atividade institucional de representação autônoma e independente, com caráter conciliatório, pedagógico, instrumental e estratégico, que acolhe as manifestações dos cidadãos, analisa e fornece informações aos gestores, visando à promoção da melhoria contínua e a busca de soluções efetivas.”

Se ela representa então o interesse dos cidadãos, por que é tão desconhecida por boa parte da população e não existem ações de divulgação em massa, capazes de democratizar um canal de participação social tão importante?

Sua importância de vinculação a alta administração das empresas com independência e autonomia colabora para uma aderência a tomada de decisão imediata, mas, sobretudo para processos mais transparentes de Compliance e Governança Corporativa, conforme determina o ordenamento jurídico brasileiro e oferece cada vez mais condições para auxiliar também em controles sociais, isso porque no poder publico ela atua diretamente para garantia de direitos sociais.

Esse mecanismo já existia no poder público, sobretudo nas prefeituras e governos de Estado. Uma nova onda de aperfeiçoamento do instituto ocorreu então com a publicação da resolução 3477/07, alterado pela resolução 3849/10 do CMN – Conselho Monetário Nacional pelo BACEN – Banco Central do Brasil quando os Bancos foram obrigados a implantar Ouvidorias Corporativas com subordinação a um Diretor estatutário, manter controles por relatórios de atividades e garantia de atendimento as normas do CMN.

Após essa publicação, outras normas construídas por agencias reguladoras como o caso da ANEEL, SUSEP e ANS, também obrigando as empresas a elas ligadas a constituírem componentes organizacionais, fiscalizáveis e capazes de ao mesmo tempo em que garantissem a resolução de manifestações dos consumidores também demonstrassem ações e sistemas de solução permanente, compatíveis com a precisão do art. 4º, III da Lei 8078/90.

Contudo os desafios de seu aperfeiçoamento são muitos: o desconhecimento por parte da população do canal de Ouvidoria tanto na iniciativa privada quanto no poder publico e por consequência a falta de registro de manifestações, o desvio de finalidade das Ouvidorias, sendo rebaixadas a um SAC de luxo para algumas empresas publicas e privadas e a inação do estado tanto da administração publica direta quanto das agencias reguladoras na fiscalização e punição pelo descumprimento de normas já existentes colocam e perigo um instituto tão salutar a democracia e a defesa dos interesses sociais.

Se então uma Ouvidoria representa a mais pura representação da voz de um consumidor/cidadão as empresas, por que para algumas organizações e órgãos públicos são tão temidas e em outras alijadas de apoio ou patrocínio interno?

Talvez a resposta esteja na capacidade de demonstrar de forma direta um retrato do trato (ou distrato) de uma empresa ou órgão publico com o reclamante, sobretudo quando se relaciona a temas como saúde e serviços essenciais, tanto em denuncias como em desvios de finalidade, capazes de prejudicar o cidadão no médio e longo prazo.

No extremo, o canal Ouvidoria auxilia as empresas na redução de custos e fidelização dos clientes, na medida em que o aprendizado com a indicação de problemas geram oportunidades de melhoria. Se aplicado sistemas de Jurimetria para motivos mais reclamados no poder judiciário e houvesse permanente foco de ação para o Canal Ouvidoria, muitos custos relacionados a essas reclamações seriam resolvidos internamente nas empresas e não se precisaria judicializar questões por vezes simples de serem compostas.

Para o direito, ter a oportunidade de uso e intermediação via Ouvidoria oferece ao cidadão ou ao seu representante formas de solução alternativa do conflito com baixo custo, rapidez na solução e, sobretudo, auxílio aos entes públicos na medida em que são formuladas estatísticas para ações preventivas e coletivas. Talvez esteja nas Ouvidorias a nova onda de representação social e garantia de direitos, capazes de reduzir judicializações, demonstrar a insatisfação e, sobretudo, provocar uma mudança de dentro para fora tanto no comportamento de quem exige como na conduta de quem fornece.


Fábio Lopes Soares, PhD em Business Administration (FCU – EUA), Mestre em Direito da Sociedade da Informação (FMU), MBA em Gestão Estratégica e Econômica de Negócios (FGV), Especialista em Negociações Econômicas Internacionais (UNESP/UNICAMP), Bacharel em Direito (FDSBC), Contabilista (ETESP), advogado pela OAB SP, consultor na Bureau Sapientia, conselheiro da ABO – Associação Brasileira de Ouvidores, membro da BRASILCON e professor convidado da FGV Law Program da Escola de Direito Rio.